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Valdir Cruz
Um alerta sobre a saúde dos Yanomami
Nascido em 1954 em Guarapuava, interior do Paraná, Valdir Cruz começou a trabalhar como laboratorista e fotógrafo em Nova York, onde vive desde 1978.
Com apoio da Fundação Guggenheim, começou a produzir Faces da Floresta, projeto de documentação sobre as comunidades indígenas que habitam o norte da Amazônia, em 1994. Publicou esse trabalho em um catálogo (Throckmorton Fine Art, Inc), em 1997, e posteriormente, nos Estados Unidos, no livro Faces of the Rainforest – The Yanomami (powerHouse Books, 2002).
Em 2000, algumas imagens de sua autoria foram incluídas no livro Darkness in Eldorado (W.W.Norton), do antropólogo Patrick Tierney. Nessa obra, o autor relata um suposto genocídio que teria ocorrido entre os Yanomami, promovido por um antropólogo e um geneticista. Este mesmo caso foi tratado pelo cineasta José Padilha no documentário Segredos da Tribo, lançado em 2010 (trailer aqui). A versão brasileira já não inclui fotos de Valdir.
Em 2004, Faces da Floresta foi finalmente publicado no Brasil pela editora Cosac & Naify. Com prefácio da ex–ministra Marina Silva, a obra intercala imagens em preto-e-branco com relatos de viagem.
A obra de Valdir surge como um complemento necessário à iconografia dos Yanomami, bastante conhecida, dentro e fora do universo fotográfico, pelo olhar devotado e pela militância política de Claudia Andujar, em cuja obra há um foco nítido na celebração da cultura Yanomami, em consonância com sua atuação política e dedicação em defesa desse povo. Por outro lado, Valdir retrata especialmente a questão da saúde dos Yanomami, como por exemplo o efeito de doenças como a oncorcencose (também chamada de “cegueira dos rios”), a malária e o bicho-do-pé. Seu olhar clássico é talhado na tradição pictórica de dois Edwards: Curtis (que se dedicou aos índios norte-americanos no começo do século passado) e Steichen (um dos pais da fotografia moderna).
Segundo Rubens Fernandes Jr.,
…neste permanente confronto, entre uma agradável organização formal que denota o predomínio de uma elaborada sintaxe visual, e uma temática impactante e desagradável, Valdir Cruz consegue desenvolver seu ensaio com a cumplicidade necessária para produzir o efeito do estranhamento prolongado. Sua fotografia, uma espécie de manifesto visual serializado, consegue sensibilizar nossa imaginação e denotar uma última centelha capaz de incendiar nossa consciência sobre a necessidade de dar condições para a preservação da diversidade étnica ainda existente em nosso país. (2004).
ENTREVISTA – 14/10/2013
No seu livro Faces da Floresta (2004), você conta que começou a pensar em um projeto sobre os índios do Brasil após conhecer o Davi Kopenawa Yanomami, em Nova York, em 1994. O que te chamou a atenção naquele momento?
Eu trabalhava junto com uma ONG que acolhia anualmente as lideranças da Amazônia que iam para este encontro nas Nações Unidas, em Nova York. Então eu comecei a fotografar todas essas pessoas no meu estúdio, incluindo a Marina Silva. Eu usava uma câmera 18×24 para fazer esses retratos. Daí o título “Faces da Floresta”. A idéia era fazer um livro incluindo representantes de cada etnia que eu estava fotografando.
O que te levou a querer conhecer pessoalmente as comunidades indígenas?
Foi um convite do Davi. Na época eu tinha curiosidade de desenvolver um arquivo fotográfico sobre comunidades, mas chegando lá, ao dar de cara com a realidade, eu mudei todos os meus planos. Até então eu não conhecia a Amazônia, nunca tinha estado em uma aldeia, e é claro que passa na cabeça de qualquer fotógrafo dezenas de cenas antes de chegar até a Amazônia pela primeira vez.
Ao dar de cara com a realidade das comunidades, você tem que tomar decisões: ou você se dedica a fazer só aquilo que você previu, ou bota a mão na massa e acha um ângulo onde você possa realmente desenvolver um projeto, onde não seja só você o beneficiado, mas principalmente as comunidades. Na época eu percebi de imediato que havia um problema sério com a saúde indígena, e até aquele momento eu não tinha visto nenhum outro fotógrafo se dedicar àquele assunto.
Como foi o desenrolar desse trabalho?
Primeiro eu trabalhei aqui no lado brasileiro, na área de Demini-teri, por três semanas. Com esse material, eu voltei aos Estados Unidos e consegui uma bolsa da Fundação Guggenheim para seguir com o projeto sobre a saúde indígena.
Depois eu também fiz uma viagem de pesquisa de 3 ou 4 semanas na Venezuela, e vi que a situação lá era ainda mais grave. [Segunda expedição, com o escritor americano Patrick Tierney e o microscopista Marinho de Souza]. Uma associação com os salesianos da área nos ajudou na organização dessa expedição. Meu compromisso era trazer um relatório sobre a saúde deles.
A terceira viagem [final 1996/1997] foi pela área de Homoxi Therei-teri, onde foi o movimento do ouro nos anos 1980, que devastou completamente uma parte das terras Yanomami. Também fomos à Venezuela, pelo alto Orinoco, no começo de 1997. Caminhamos nas áreas de montanhas, na região de Siapas. Foi uma expedição maravilhosa, de difícil acesso. A intenção era caminhar até a serra de Tapirapecó, aonde viviam comunidades que tinham sido contatadas uns 30 ou 40 anos antes.
Quais foram os desdobramentos dessas viagens?
O nosso projeto serviu de alerta para a situação grave da saúde naquela região. Esse foi meu foco. Fizemos esse levantamento, e depois o meu livro. Na época eu ainda trabalhei com outros grupos.
Sempre enfocando essa questão da saúde indígena?
Não, nos Yanomami foi a saúde. Depois eu me dediquei à cultura, eu fotografava o dia-a-dia. Trabalhei com os Ingarikó e Macuxi, caminhei por toda aquela área de Raposa Serra do Sol. Tive também a oportunidade de trabalhar com os Korubos e os Matis, no Vale do Javari.
Na ocasião em que Marina Silva assumiu o Ministério do Meio Ambiente, visitei e trabalhei por cerca de 90 dias com os Kaxinawa e Yawanawa no Acre. Nas primeiras duas semanas da viagem, eu estava acompanhando Diane Schemo, uma repórter do New York Times, para fazer uma matéria sobre uma década do assassinato do Chico Mendes. Na época eu ia para NY, conseguia verba e voltava. Mas isso acabou me levando à falência, porque isso gera muitos gastos e não dá nenhum retorno financeiro.
Esse trabalho foi publicado em jornais ou revistas?
Muito pouco. Houve algumas distorções nessas publicações, aí eu fui evitando esse tipo de divulgação.
Quando surgiram as as publicações autorais?
Em 1997 eu publiquei um catálogo, por causa de uma exposição numa galeria que até hoje representa o meu trabalho, a Throckmorton Fine Art, Inc., em Nova York.
O primeiro livro sobre os Yanomami foi publicado em 2000, pela powerHouse Books em Nova York. Depois, a Cosac Naify comprou os direitos da powerHouse e publicou aqui no Brasil a segunda edição em 2004. Praticamente não mudou muito a edição. O formato ficou mais interessante.
O material da saúde depois participou do livro do Patrick Tierney [Darkness in Eldorado/W.W.Norton, 2000], mas só na edição americana. Aqui no Brasil eu não participei.
Como foi a experiência com este autor?
Em 1996 eu acompanhei Patrick Tierney no lado Venezuelano. Quando eu o conheci ele já tinha o livro praticamente escrito. Trabalhamos juntos naquele ano, mas o livro só saiu em 2000. Ele estava fazendo algumas investigações finais quando eu trabalhei com ele. Depois me aparentou que ele mudou a tonalidade do livro, que não favorecia o meu pensamento. Meu foco era na saúde, eu não queria entrar em questões polêmicas com antropólogos. Mas era seu livro e sempre respeitei, tendo participado com as imagens.
Você voltou às terras indígenas desde então?
Depois do ano 2000, que foi a última viagem em que eu acompanhei Sydney Possuelo ao Vale do Javari, ocasião em que conheci e trabalhei com os Korubo e os Matis, eu não tive mais a oportunidade. Mudei meu foco para o meio ambiente. Mudei o formato da câmera fotográfica. Fiz um livro sobre as quedas d’água no Paraná, depois sobre as árvores de São Paulo, e outro sobre Bonito, no Mato Grosso do Sul. Acabo de concluir um trabalho sobre Guarapuava, no Paraná.
Agora estou com um projeto completamente social que pode me levar a voltar às comunidades. É sobre o câncer, e devemos visitar alguma aldeia indígena em breve. Já estou trabalhando nisso há 2 anos. O livro está previsto para 2015.
Agora eu trabalho com um formato que eu consigo sobreviver, com vendas de imagens. Com a temática indígenas isso já é mais complicado. Poucos querem colocar uma imagem que representa uma etnia na parede. Muito menos quando o foco é a situação da saúde. Depois temos a questão do contrato de vendas de imagens com as comunidades e com a Funai, que deve ser respeitado.
Hoje em dia, como você avalia a sua experiência com os índios no contexto geral da sua obra?
É um trabalho que está feito, que adorei fazer. Foi um marco que mudou a minha vida. Foi um momento, um ponto de vista inédito até então. Não havia uma pesquisa tão focada na saúde indígena. A visão sempre foi essa coisa do exótico, do maravilhoso, do artístico. Primariamente, havia esse trabalho ímpar da Claudia Andujar, que vai além de tudo. Então acho que consegui contribuir nesse sentido, preenchendo essa lacuna.
Fora isso é um trabalho normal sobre as comunidades, um registro sobre o dia-a-dia mesmo. A fotografia documental não pode ter muita interpretação artística, senão deixa de ser um documento antropológico. Minha proposta era produzir uma fotografia bem feita, um documento sério, que servisse àquela proposta. Se hoje eu voltar a trabalhar com as comunidades, eu vou ter que pensar em um novo ângulo de trabalho.
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LIVROS PUBLICADOS
– 2013: Guarapuava – Terra virgem
– 2010: Bonito – Confins do Novo Mundo – Editora Capivara
– 2010: Raízes – Árvores na paisagem de São Paulo – Imprensa Oficial
– 2007: O caminho das águas – Cosac Naify
– 2005: Carnaval – Salvador, Bahia (1995-2005) – Throckmorton Fine Art, Inc.
– 2004: Faces da Floresta – Os Yanomami (2ª ed.) – Cosac Naify
– 2002: Faces of the Rainforest – The Yanomami (1ª ed.) – powerHouse Books
– 1997: Faces of the Rainforest – Throckmorton Fine Art, Inc.
– 1996: Catedral Basílica de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais – Brave Wolf Publishing
REFERÊNCIAS
– FERNANDES JR., Rubens. “Faces da Floresta”, 2004 (disponível aqui)
WEBGRAFIA
– Página do autor (acesso aqui)
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