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Marcos Santilli
A colonização de Rondônia e os Suruí Paiter
Marcos Santilli tornou-se fotógrafo profissional no começo dos anos 1970, quando ainda cursava arquitetura na Universidade de Brasília. A convite de Luis Humberto Pereira, começou a trabalhar no Jornal de Brasília.
Após uma temporada em Londres, onde foi estudar fotografia, Santilli começou a trabalhar para a editora Abril, cuja sucursal e Brasília cobria toda a região norte. Neste período, de 1974 a 79, ele pôde fazer cerca de 15 viagens para áreas indígenas. Publicou principalmente na revista Veja, mas também em outras publicações da editora, como a extinta Realidade. Ele esteve entre os Tucano e Maku, na fronteira da Colômbia, os Urubu do Maranhão e os Xavante e Pareci, no Mato Grosso.
Participou também de uma expedição à Rondônia, quando visitou pela primeira vez os Suruí Paiter, em 1978. Com eles, Santilli adquiriu grande familiaridade e continuou visitando-os ao longo dos anos. A matéria publicada a partir dessa expedição, que durou cerca de um mês, levantou a complexidade da construção das estradas e formação das cidades a partir dessa porta rodoviária para a Amazônia: hordas de imigrantes implementando o projeto de civilização no oeste brasileiro.
O impacto dessas migrações nas comunidades indígenas despertou sua curiosidade sobre as transformações humanas e ambientais desse movimento de colonização em Rondônia, que o levou a desenvolver, em 1977, o projeto Nharamaã de documentação áudio-fotográfica. No começou, utilizou recursos próprios para financiá-lo, tendo conseguido em seguida uma bolsa da Fundação Guggenheim para dar continuidade a este projeto.
Os primeiros produtos do Nharamaã foram dois discos de vinil: Revivência e Rio Acima, editados por Memória Discos e Edições. Ambos foram elaborados em conjunto com a pesquisadora e musicista Marlui Miranda e a antropóloga Betty Midlin. Os LPs são compostos de faixas musicais e registros sonoros ambientais, acompanhados por livretos contendo as letras, textos e fotografias.
Em 1987 lançou o livro Àre (Ed. Sver & Boccato) – que em Suruí quer dizer “irmãos, companheiros” –principal publicação do projeto Nharamaã. Composto por cerca de 200 imagens, além de textos da antropóloga Betty Mindlin e depoimentos de indígenas, o livro apresenta os “encontros e confrontos, através das imagens e da palavra viva de testemunhas que participam desta etapa violenta de relacionamento inter-cultural” (Santilli, 1987:14). O foco deste obra é o conflito entre as populações indígenas e o “progresso” introduzido pelos brancos, expressos por meio de retratos e fotografias de paisagem. Os Suruí Paiter aparecem em maioria, mas há também os Pacaá-Nova, Macurap, Tupari, Jabuti, entre outros. Sobre o Àre, Maria Beatriz Coelho (2012) comenta:
As fotografias mostram como a destruição da floresta, fomentada por garimpeiros, grileiros e fazendeiros, afetou drasticamente a integração dos índios com a natureza. Vemos então, a imagem simbólica de um homem apartado de sua cultura que passa a trabalhar como empregado de alguma empreiteira, ou de índias que, para sobreviver, se tornam prostitutas e pedintes na beira das estradas ou nas vilas improvisadas. (2012:129).
Também pelo projeto Nharamaã, Santilli também publicou Madeira-Mamoré, Imagem e Memória (Memória Comunicações Ltda, 1988), em que faz comparações entre fotos antigas e as que tirou na região onde foi construída a estrada de ferro no começo do século XX. E, em 1991, publicou Amazon, a Young Reader’s Look at the Last Frontier (Boyds Mills Press, Honesdale), direcionado para o ensino fundamental nos Estados Unidos.
Para Rubens Fernandes Junior (2003), as fotografias de Santilli:
…exibem o colorido e a luz da região, o cotidiano de seus habitantes, a exuberância da mata, sem apelar para o exótico, mas, pelo contrário, reúnem na imagem elementos representativos que contrastam as tradições com a sempre violenta presença da civilização. Para Luis Humberto, ‘a grande qualidade de Marcos Santilli é a de mostrar que a fotografia engajada não tem que ser pobre. Pelo contrário, ela pode ser bonita, artística, opulenta. (2002:161).
Ao longo de sua carreira, Santilli teve suas fotos publicadas em diversas revistas nacionais e internacionais. Foi diretor do MIS – Museu da Imagem e do Som, de São Paulo entre 1997 a 2003. Atualmente dirige a Memória Comunicações Ltda., onde desenvolve projetos culturais nas áreas de fotografia, vídeo e artes gráficas, além de manter a Pousada dos Anjos, em Cunha, interior de São Paulo. Santilli continua registrando as transformações dos Suruí Paiter, em Rondônia, e pretende publicar mais um livro para encerrar essa documentação de encontros e confrontos.
ENTREVISTA – 27/08/2013
Como surgiu o interesse em fotografar os povos indígenas?
A partir da matéria que fotografei para a editora Abril sobre o processo de colonização em Rondônia no final dos anos setenta, fiquei fascinado com a transformação que ia acontecer ali. Achei que aquilo viraria rapidamente uma outra paisagem, um processo tão violento que hoje é considerado a maior transformação feita pelo homem no planeta num curto espaço de tempo. Rondônia é uma área grande que em uma questão de duas ou três décadas passou rapidamente da idade da pedra para certa civilização. O que existia eram sociedades tradicionais indígenas, então intuí que essa transformação seria um tema formidável.
Do que se trata o projeto Nharamaã?
Nharamaã quer dizer “apropriação da terra”, em Suruí, nome usado por eles nesse período da chegada do homem branco. Voltei à Rondônia periodicamente ao longo dos anos, então adotei esse nome. O projeto rendeu a publicação de três livros: o Àre, o Madeira Mamoré e o Amazon.
No primeiro momento produzimos um audiovisual, pois na época havia um grupo de fotógrafos pensando em outras linguagens, que falava sobre a colonização de Rondônia. Ainda tenho a trilha sonora, mas o filme foi desmontado. Desde 1978 trabalhei com a Marlui Miranda, que registrava os sons ambientais e as entrevistas que fazíamos, e esse material que acabou sendo usado em diversos meios: filmes, espetáculos musicais, etc.
O Àre, primeiro livro publicado pelo projeto, narra o processo conflitivo da expansão da fronteira oeste. Como surgiu a ideia da publicação?
O tema que me interessa é essa coisa do contato, então dividi o Àre em núcleos, em forma de capítulos. Busquei as fotos mais antigas de cada grupo, como eu os encontrei e como, ao longo dos anos, fui visualizando criticamente essa aculturação. Na verdade é um livro sobre aculturação.
Como você avalia sua obra, passadas mais de três décadas do seu primeiro contato com eles?
Eu tenho uma teoria sobre a fotografia do índio brasileiro: na realidade temos poucas fotografias do índio brasileiro. O que temos são imagens da reação dos índios sobre nós mesmos, diante de nossa presença, de nossas câmeras. Até o índio começar a ter confiança, leva muito tempo. A estrutura deles é como uma cebola: ele vai abrindo as camadas e vai chegando ao miolo. Se ele não se abrir você fica no pitoresco, no exótico, no que te chama atenção. Chegar nas aldeias fotografando, logo no primeiro dia, é um transtorno. Não dá para retratar a forma de vida deles dessa forma.
Não tive o tempo de aprofundamento que a Claudia Andujar, por exemplo, teve com os Yanomami. Um tempo que é necessário para criar esse relacionamento mais íntimo. Por isso não considero meu trabalho sobre os índios, mas sim sobre nós e os índios – esse é meu interesse. Me interessa contar a história sobre como esses indígenas viveram esse impacto cultural e a reação deles.
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LIVROS PUBLICADOS
– 1987: Are (Sver & Boccato)
– 1988: Madeira-Mamoré, Imagem e Memória (Memória Comunicações Ltda)
– 1991: Amazon, a Young Reader’s Look at the Last Frontier (Boyds Mills Press)
REFERÊNCIAS
– COELHO, Maria Beatriz. Imagens da Nação – brasileiros na fotodocumentação de 1940 até o final do século XX. Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo; Edusp, 2012.
– FERNANDES JUNIOR, Rubens. Labirinto e identidades: panorama da fotografia no Brasil [1946-98]. São Paulo: Cosac Naify, 2003.
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