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Marc Ferrez
O índio sob a ótica do Império
Nascido no Rio de Janeiro em 1843, filho de pais franceses, Marc Ferrez ficou órfão aos oito anos de idade. Foi enviado a Paris em 1855 para complementar seus estudos, e voltou ao Brasil aproximadamente dez anos depois. Trabalhou na Casa Leuzinger, onde aprendeu fotografia com Franz Keller, montando seu próprio estúdio em 1865. Em 1870 tornou-se fotógrafo da Marinha Imperial. No final de 1873 um grande incêndio atinge seu estúdio, destruindo seu equipamento fotográfico e todas as chapas produzidas no início de sua carreira. Com a ajuda financeira de um amigo comerciante de produtos fotográficos, Ferrez consegue viajar à Europa e adquirir todo o equipamento necessário para recomeçar suas atividades.
Em 1875 foi contratado para trabalhar na Comissão Geográfica e Geológica do Império, sob a direção do geólogo franco-canadense Charles Frederick Hartt, o que lhe permitiu viajar por diversas regiões do país e realizar uma importante obra de documentação fotográfica. Os participantes desta expedição percorreram grande parte da região do Rio São Francisco, no interior da Bahia, o Recôncavo e o litoral baiano, Pernambuco e algumas regiões amazônicas. Ferrez pôde então fotografar alguns índios Botocudo* utilizando instrumentos de medição antropométrica, demonstrando a possível intenção do autor em inserir as imagens destes indígenas no meio científico.
Em 1880 Ferrez levou um grupo de índios Bororo do Mato Grosso para o estúdio, realizando “uma imagem épica para o período”, segundo o antropólogo Fernando de Tacca (2011, p.88). Em um desses retratos, pertencente à coleção do Instituto Moreira Salles, o olhar fixo e altivo dos onze indígenas nus portando flechas e outros acessórios contrasta com o cenário fotográfico adornado com elementos tipicamente europeus. Tacca observa:
(…) uma imagem domesticada do selvagem, circunstanciado pela encenação fotográfica do estúdio. O selvagem aparece cerceado pelo ato fotográfico e alça um sabor inequívoco no imaginário: a existência desses povos tradicionais, mesmo dominados pelo aparelho e pelo olhar do fotógrafo. A natureza e seu habitat deixam de ser importantes, são representações e pano de fundo para a imagem. Seus olhares diretos e nobres ignoram as agonias do contato.” (ibid., p. 88 e 89)
Em 1882, por ocasião da Exposição Antropológica Brasileira, no Rio de Janeiro, o fotógrafo apresentou uma série de imagens de objetos, retratos e elementos da vida indígena. Ferrez veiculava essas imagens de caráter exótico em álbuns fotográficos comercializados para o público estrangeiro. De acordo com o colecionador Pedro Corrêa do Lago e o pesquisador Rubens Fernandes Jr., “das imagens vendidas por Marc Ferrez aos viajantes estrangeiros, que constituíam a maior parte de sua clientela, as fotografias duplas, ou dípticos, de negras da Bahia e de índios estavam certamente entre as mais populares” (2001, p.48).
Marc Ferrez faleceu no Rio de Janeiro em 1923. Atualmente é considerado, na definição de Boris Kossoy, como “um dos maiores fotógrafos de seu tempo” (2002, p.139). O acervo fotográfico oriundo dos seus cinqüenta anos de carreira como fotógrafo é composto por cerca de 5,5 mil imagens que abrangem negativos de vidro, tiragens originais e cópias em albumina.
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* Botocudo ou Aimoré é uma denominação que os colonizadores portugueses utilizavam para se referir ao conjunto de índios que usavam botoques labiais e auriculares. Portanto, esta denominação, muito comum no vocabulário utilizado pelos fotógrafos do séc. XIX, na realidade se refere à grupos étnicos bastante diversos, como os Kaingang, Xokleng, Krenak e Xetá (TACCA, 2011).
REFERÊNCIAS
– CORRÊA DO LAGO, Pedro; FERNANDES JUNIOR, Rubens. O século XIX na fotografia brasileira – Coleção Pedro Corrêa do Lago. São Paulo: Fundação Armando Alvares Penteado/ Francisco Alves, 2001
– KOSSOY, Boris. Dicionário histórico-fotográfico brasileiro: fotógrafos e ofício da fotografia no Brasil (1833-1910). São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2002
– MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de. Estou aqui. Sempre estive. Sempre estarei. Indígenas do Brasil. Suas imagens (1505/1955). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012
– TACCA, Fernando de. “O índio na fotografia brasileira: incursões sobre a imagem e o meio”. História, ciências, saúde – Manguinhos – Vol. 18, nº 1, p.191-223. Rio de Janeiro., 2011 (disponível aqui)
WEBGRAFIA
– Cara de índio – conversa com Eduardo Viveiros de Castro. Rio de Janeiro: Instituto Moreira Salles, 2011. Palestra, 40 min (disponível aqui)
ACERVO
– Instituto Moreira Salles (RJ)
– Arquivo Nacional (RJ)
– Casa de Rui Barbosa (RJ)
– Biblioteca Nacional (RJ)
– Museu de Arte Moderna (RJ)
– Museu Histórico Nacional (RJ)
– Biblioteca da Fundação Bosch
– Biblioteca Nacional da Venezuela
– Fundação Getty