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George Huebner
Um empreendedor da fotografia em Manaus
Pertencente à segunda geração de pioneiros da documentação fotográfica do Norte do Brasil, George Huebner dirigiu o maior estúdio de Manaus entre o fim do século XIX e início do século XX, período do auge do ciclo da borracha na região. Pouco se sabe sobre sua vida antes de chegar ao Brasil. Nascido em Dresden, no ano de 1862, Georg August Eduard Hübner cresceu em uma das mais importantes cidades alemãs da época, cujo desenvolvimento econômico propulsionava uma crescente indústria fotográfica. Em 1885, aos 23 anos, Huebner realiza sua primeira viagem à América do Sul, interessado em coletar dados e imagens sobre os povos nativos da região para sociedades científicas, com as quais já mantinha contato, e também visando o promissor mercado de exploração da borracha na selva amazônica.
Pelo rio Amazonas, Huebner segue até a região do rio Ucayali, no Peru. Em 1888 se estabelece em Lima, onde conheceu o também fotografo alemão Charles Kroehle. Por três anos, percorrem juntos o território peruano desde os altiplanos andinos até a costa do pacífico. Dessa expedição, Huebner e Kroehle acumularam centenas de fotografias de etnias indígenas, algumas delas atualmente extintas. Em 1891, retorna a Dresden para, nos anos seguintes, ter a oportunidade de proferir conferências, vender imagens dos indígenas peruanos para instituições científicas alemãs e ter artigos publicados em conhecidas revistas de estudos geográficos e etnográficos da época. Em 1894 viaja novamente à América do Sul, desta vez com o objetivo de coletar e catalogar espécies de orquídeas. De Manaus parte para a região do Alto Orinoco, passando pelo Rio Branco.
Além das amostras de orquídea, Huebner levou consigo de volta para Dresden uma série de 60 imagens que registravam as localidades por onde passou e retratos de indígenas identificados como Pauxianas* em diversas poses. Em 1897, após acumular experiência profissional, conhecimento da região e contatos profissionais, Huebner retornou para o Brasil, onde almejava novas possibilidades de crescimento profissional. Desembarcou primeiro em Belém, colaborando inicialmente com o fotográfo Felipe Augusto Fidanza. Alguns meses depois, estabeleceu-se definitivamente em Manaus com seu ateliê Photographia Allemã, tornando-se o maior estúdio da cidade. Em 1901, Libânio do Amaral associou-se a Huebner, e em 1906 ambos adquiriram, em Belém, o tradicional ateliê fotográfico Fidanza, após o falecimento do seu antigo proprietário.
Huebner conheceu o etnólogo alemão Theodor Koch-Grünberg em 1903, quando este desembarcou em Manaus para iniciar uma expedição ao Alto Rio Negro. Tornaram-se amigos e colaboraram profissionalmente por 22 anos, havendo entre os dois um interesse comum pela iconografia indígena e pelo trabalho fotográfico. Pela experiência adquirida em suas viagens anteriores, Huebner foi um importante intermediário para que o “Sr. Koch”, como ele o chamava, pudesse ter êxito nas suas pesquisas etnográficas pelo interior da Amazônia.
Koch-Grünberg utilizou, ainda, diversas fotografias e traduções de vocabulários indígenas colhidos por Huebner para ilustrar e compor seus artigos. A maioria das informações sobre a vida particular e profissional de Huebner que se tem conhecimento provém das correspondências trocadas entre ambos. Uma das primeiras cartas trata de um conflito entre seringueiros e os índios conhecidos atualmente como Waimiri-Atroari, que habitavam o Rio Yauapéry, e que resultou na morte de três brancos e trezentos indígenas, além de dezenove índios levados prisioneiros para Manaus. Huebner teve a oportunidade de fotografá-los, conforme relata a seu amigo:
Desde a chegada dessas pessoas, que foram vestidas com o uniforme dos soldados daqui, encontrei-me com elas no Rio Cachoeira Grande e as fotografei em grupo. Tive que fazer isso duas vezes porque, na primeira, não havia ninguém que pudesse comunicar-se com eles em seu idioma e, além do mais, tive um trabalhão para retirar-lhes a roupa, pois estavam agasalhados com ceroulas, meias e até botas! […] No dia seguinte, saímos de manhãzinha em companhia de um jovem tenente que havia feito parte da expedição e que conseguia comunicar-se com os índios. Foi somente então que pude tirar boas fotografias, se bem que com grande dificuldade. Como eles logo mergulharam na água e não foi possível fazê-los sair mais, fotografei-os no igarapé. Depois, com a ajuda do tenente, pedi que executassem alguns passos de dança e tirei boas fotos […]. Alguns dias mais tarde, trouxe-os ao meu estúdio para tirar fotos antropológicas. Todas saíram muito boas. Infelizmente, apesar de meus protestos, cortaram-lhes os cabelos logo após nossa excursão à Cachoeira Grande, de modo que não foi possível tirar fotos a não ser com aquela aparência modificada. (trecho de correspondência entre Huebner e Koch-Grünberg traduzida do original por SCHOEPF, 2005, p. 169)
Huebner evidencia em seu relato a preocupação em manter preservadas em suas imagens tanto as características que os tornavam indígenas “exóticos” quanto fotografá-los em situações e posições diferentes das habituais. Nos retratos realizados durante suas expedições, o fotógrafo primava pelas expressões de descontração e espontaneidade que extraía de seus retratos, em técnicas e linguagens que evoluíram junto com seu desenvolvimento profissional. Foi dessa forma que, ao fotografar índios Apurinã, Wapixana, Makuxi, Taurepang (ou Menon), Marqueritare* e Bindiapá*, entre outras, Huebner extraía semblantes que transpareciam as relações de negociação que permeavam os bastidores da captura de imagens de seus modelos.
Já nos retratos de estúdio o fotógrafo alemão lançava mão de elementos como arcos, flechas, bordunas e trajes cerimoniais – como o da dança ritual Karajá. Inseridos em cenários cuidadosamente arranjados com folhas, galhos e fundos pintados, Huebner reinventava o indígena para ilustrar cartões postais valorizados comercialmente no mercado estrangeiro, contribuindo para figurar no imaginário europeu a Amazônia e os seus povos habitantes da floresta.
Com o declínio do comércio da borracha na Amazônia, Huebner interrompe totalmente suas atividades fotográficas. Compra um sítio nos arredores de Manaus e passa a dedicar-se apenas à botânica, realizando expedições por rios da região em busca de amostras de plantas para instituições científicas da Europa. Faleceu em 1935.
Em 1944, o estúdio Photographia Allemã foi rebatizado de Fotografia Artística, o que não impediu sua depredação por conta dos acontecimentos relacionados à Segunda Guerra Mundial, destruindo parte do acervo de Huebner que havia resistido ao abandono e ao clima tropical.
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* Provavelmente essas etnias foram extintas ou classificadas erroneamente.
REFERÊNCIAS
– SCHOEPF, Daniel. George Huebner 1862-1935: um fotógrafo em Manaus. São Paulo: Metalivros, 2005.
– TACCA, Fernando de. “O índio na fotografia brasileira: incursões sobre a imagem e o meio”. História, ciências, saúde – Manguinhos – Vol. 18, nº 1, p.191-223. Rio de Janeiro., 2011 (disponível aqui)
– VALENTIM, Andreas. A fotografia amazônica de George Huebner. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2012.
ACERVOS
– Museu de Etnografia de Genebra – Suíça
– Coleção Etnográfica da Universidade Phillips – Marburg, Alemanha
– Coleção particular Elysio de Oliveira Belchior – Rio de Janeiro
– Coleção particular Joaquim Marinho – Manaus
– Acervo Biblioteca do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia – Manaus